segunda-feira, 19 de novembro de 2018

A JUSTIÇA BRASILEIRA NO ESPAÇO-TEMPO DAS NOVAS REPÚBLICAS


I
Juízes – aqueles das novas Repúblicas – não são pessoas ou profissionais inidôneos, indecorosos, sem caráter, ausentes de ética, corruptos, levianos, alienados, psicopatas ou sociopatas potenciais que perseguem cidadãos em virtude de suas diferentes etnias, grupos culturais, classes sociais, ideias, ideais ou ideologias...
Juízes – aqueles das novas Repúblicas – não condenam pessoas sem provas, “fundamentados” apenas em convicções, evidências, impressões, delações premiadas, preconceitos ou ilações.
Juízes – aqueles das novas Repúblicas – são os seres, acreditam-se os próprios; e também todos aqueles que deles dependem ou que lhes devem algum tipo de favor, mais sábios ou hiperconscientes que existem: colocam, segundo “pensam que pensam”, qualquer dito filósofo como Aristóteles[i], Kant, David Hume[ii], Nietzsche[iii], Edmund Husserl[iv] etc. no chinelo.
Aristóteles, por exemplo, como é sabido, há tempos escreveu:
“A verdade é a adequação do pensamento à coisa real...”.
Um certo juiz de uma dessas novas Repúblicas, porém, ao tardiamente tomar conhecimento da máxima Aristotélica, contrariando-o, imediatamente retrucou dizendo:
“A verdade, ao contrário do que teorizou Aristóteles, é a adequação do que se conjectura, sente-se, imagina-se ou deduz-se que seja real ao pensamento.”
David Hume, filósofo empirista, cético-relativo, defendeu a tese de que as “evidências ou impressões, quando trabalhadas apenas pela nossa imaginação ou racionalidade, sem uma devida adequação do pensamento à coisa real, conduzem-nos a ilusões, divagações e/ou a falsas impressões da realidade”.
Nietzsche, na mesma linha de Hume, complementando-o, dizia que “as convicções (quando fundamentadas apenas em evidências e/ou impressões) são mais inimigas da verdade do que as mentiras”.
Um outro juiz também de uma mesma dessas novas Repúblicas, colega de ofício do primeiro, todavia, quando leu Hume e Nietzsche, imediatamente deles também radicalmente discordou, dizendo:
“As evidências e/ou impressões são elementos cabais, conteúdos inquestionáveis de provas; e as convicções, criadas a partir delas, consequentemente, tornam-se incontestáveis, pois ao juiz cabe o Direito inalienável de formá-las (convicções)”.
Immanuel Kant, outro filósofo cético-relativo, certa vez escreveu, no seu livro Crítica da razão pura, que “não podemos conhecer as coisas em si, mas apenas como elas são e/ou estão para nós”.
Edmund Husserl, estudioso de David Hume, Immanuel Kant e Franz Brentano, criador do Método Fenomenológico, numa crítica a todas as correntes que preconizavam e/ou que preconizam a ideia do possível alcance de uma dita verdade absoluta, afirmava, em síntese, que “toda consciência é consciência “de”, ou seja, doadora de sentido...”.
Um terceiro Juiz (aposentado dessas mesmas referidas novas Repúblicas), antigo colega e professor dos dois primeiros anteriormente citados, ao tomar conhecimento das ideias de Kant e Husserl, numa conferência que reunia membros da sua mesmíssima casta, linhagem ou estirpe, efusivamente externou:
“Edmund Husserl nunca soube o que dizia. Na verdade, contra fatos não há argumentos... Os fatos, sabemos todos nós, os juízes, falam por si mesmos... A verdade, sabemos todos nós, os juízes, é uma mentira que nunca consegue se esconder...”.
Em síntese, os Juízes, aqueles das novas Repúblicas, são seres, acreditam-se os próprios; e também todos aqueles que deles dependem ou que lhes devem algum tipo de favor, oniscientes: os seres mais sábios que existem.
E exatamente por acreditarem-se oniscientes, os mais sábios de todos os seres, creem-se, naturalmente, sempre também os mais éticos. Isto é:
1-   Juízes – aqueles das novas Repúblicas – não se aliam a empresários, a grupos econômicos, a emissoras de TV ou às mídias em geral, promovendo espetáculos de dita justiça como se fosse uma forma primitiva de buscar fazer justiça com as próprias mãos a partir de cartas marcadas (se os juízes da nova República fazem isso, segundo a acreditada e dita sabedoria ética deles, “é porque acreditam também, na mesma via, tais quais os seres de espíritos totalitários [fascistas, nazistas, etc.], que os fins justificam os meios”);
2-   Juízes – aqueles das novas Repúblicas –, propagandeiam sistematicamente os seus seguidores nas redes sociais e etc., são pessoas e/ou profissionais em quem plenamente se confia, se deve, ou se pode confiar; são pessoas ou profissionais de quem sempre se espera ou se pode esperar, sem falhas de caráter, sem fazer acepção de pessoas, sem demonstrarem lados, sem conluios, justiça em suas sempre sábias decisões;
3-   Juízes – aqueles de todas as novas Repúblicas – diziam, por exemplo, os sem-teto de um prédio em São Paulo por eles habitados, e obrigados a dele saírem em virtude de uma decisão judicial, “são seres, para nós, ditos reles mortais, sempre mais próximos da perfeição: são pessoas ou profissionais acima de quaisquer suspeitas – incorruptíveis...”.
MORAL:
Se um juiz qualquer, de qualquer uma das ditas novas Repúblicas, por exemplo, pedir (sem precisar enviar forças de coação e/ou coerção) a um homem do povo para dar-lhe ou doar-lhe o seu único filho como sacrifício, tal qual fez Abraão, esposo de uma mulher estéril, com o seu filho Isaac, em troca de alguma promessa, o mesmo o fará, e sem titubear...
II
Um dia desses, o que não é novidade para quase ninguém, soube-se do caso de um Banco cujos herdeiros, como hobby, produzem filmes ou documentários – e existem incontáveis casos similares – que, por meio de um dos seus inúmeros escritórios de advocacia, entrou com processos na justiça visando recuperar o automóvel de um cliente que, após ter dado uma entrada de 30% do valor do bem adquirido, financiado o restante em 48 meses, quitado 38 parcelas, não conseguiu mais pagá-lo em virtude do desemprego.
“O que um dito sábio e justo Juiz de uma dessas novas Repúblicas fez?” – O óbvio, é claro! Ou seja, seguindo à risca o seu ofício, obedecendo às ditas “justas” leis Neorrepublicanas (nova constituição, com seus respectivos códigos liberais, etc.), mandou o oficial de justiça apreender o veículo do tal “cidadão” inadimplente em sua residência, levando o mesmo a leilão (o que acorreu, como sempre tem ocorrido em casos da mesma natureza, sem nenhuma transparência). Mesmo após o tal leilão, entretanto, o homem ainda ficou devendo, e com o nome sujo, informou-lhe o lucrativo banco do qual era cliente há mais de 15 anos.
Ou seja, sem Juízes sábios, oniscientes, justos, as novas Repúblicas em que hoje vivemos não funcionariam. Imaginem, se possível, uma sociedade “justa” como a nossa, conseguir continuar sendo “justa tal como é” sem a atividade sempre tão imparcial, decorosa, legal e incorruptível dos juízes ou magistrados Neorrepublicanos?
Imaginem uma sociedade em que aqueles criminosos que foram flagrados com malas de dinheiro, gravados pedindo propina etc., alegando depois pifiamente terem caído em armadilhas, estivessem agora “injustamente” presos, não fosse a atuação sempre tão correta, imparcial, incorruptível, sábia, decorosa e justa dos juízes ou magistrados Neorrepublicanos?
Imaginem uma sociedade em que aqueles políticos ditos pela grande mídia serem criminosos de alta periculosidade não tivessem, antes mesmo do trânsito em julgado, sido eficazmente “pré-condenados” (e presos), com o aval do STF?
Imaginem uma sociedade em que outros políticos flagrados (com provas cabais) cometendo crimes de corrupção, alegando depois terem caído em armadilhas, não tivessem sido tão eficientemente absolvidos pelo STF, e muitos deles conseguido até mesmo se reelegerem nas eleições de 2018.
Essa sociedade, como prediz a emissora de TV que há tempos governa “lucrativamente” todas as novas Repúblicas no Brasil, sem dúvidas, certamente não seria o paraíso de justiça (em todos os sentidos) e ausência de corrupção que hoje é.
Poderíamos, aqui, buscando alongar a discussão, até mesmo citar a proteção sistematicamente orquestrada que os ditos sábios, imparciais e justos sistemas de justiça, coação e/ou coerção das novas Repúblicas têm dado às ideias e práticas de políticos que pregam a violência, o ódio, que proferem discursos fascistas, racistas; e que dizem, inclusive, que as mulheres devem ganhar menos do que os homens porque engravidam, porque são menos inteligentes, etc.
Por hora, entretanto, penso que é melhor darmos uma pausa, degustarmos algo, procurarmos tomar um café. Difícil mesmo, penso, será conseguirmos realizar a digestão (a do texto é claro!).




[i] Aristóteles (em grego clássico: Ἀριστοτέλης; transl.: Aristotélēs; Estagira, 384 a.C. — Atenas, 322 a.C.) foi um filósofo grego, aluno de Platão e professor de Alexandre, o Grande. Seus escritos abrangem diversos assuntos, como a física, a metafísica, as leis da poesia e do drama, a música, a lógica, a retórica, o governo, a ética, a biologia e a zoologia. Juntamente com Platão e Sócrates (professor de Platão), Aristóteles é visto como um dos fundadores da filosofia ocidental. Em 343 a.C. torna-se tutor de Alexandre da Macedônia, na época com treze anos de idade, que será o mais célebre conquistador do mundo antigo. Em 335 a.C. Alexandre assume o trono e Aristóteles volta para Atenas onde funda o Liceu.

[ii] David Hume (Edimburgo, 7 de maio (ou 26 de abril-Antigo) de 1711 – Edimburgo, 25 de Agosto de 1776) foi um filósofo, historiador e ensaísta britânico nascido na Escócia que se tornou célebre por seu empirismo radical e seu ceticismo filosófico. Ao lado de John Locke e George Berkeley, David Hume compõe a famosa tríade do empirismo britânico, sendo considerado um dos mais importantes pensadores do chamado iluminismo escocês e da própria filosofia ocidental. David Hume opôs-se particularmente a Descartes e às filosofias que consideravam o espírito humano desde um ponto de vista teológico-metafísico. Assim David Hume abriu caminho à aplicação do método experimental aos fenômenos mentais. Sua importância no desenvolvimento do pensamento contemporâneo é considerável. Teve profunda influência sobre Kant, sobre a filosofia analítica do início do século XX e sobre a fenomenologia. Obras:            A obra filosófica de Hume tem duas fases: há uma obra pretensiosa feita na juventude, que é o Tratado da Natureza Humana. Hume negaria esta obra, e publicaria outros títulos filosóficos que integrariam os Ensaios e tratados sobre vários assuntos.

[iii] Friedrich Wilhelm Nietzsche (Röcken, Reino da Prússia, 15 de outubro de 1844 — Weimar, Império Alemão, 25 de agosto de 1900) foi um filósofo, filólogo, crítico cultural, poeta e compositor prussiano do século XIX, nascido na atual Alemanha. Ele escreveu vários textos críticos sobre a religião, a moral, a cultura contemporânea, filosofia e ciência, exibindo uma predileção por metáfora, ironia e aforismo.

[iv] Edmund Gustav Albrecht Husserl (1859 — 1938) foi um filósofo e matemático alemão que fundamentou as bases epistemológicas da escola da fenomenológica, rompendo com a orientação positivista da ciência que influenciava ou estruturava a filosofia de sua época. Desenvolveu, sendo assim, importantes críticas ao historicismo e ao psicologismo na lógica. Não se limitando ao empirismo, mas acreditando que a experiência é a fonte de todo o conhecimento, criou um método de redução fenomenológica, a chamada redução eidética. Nasceu em uma família judia, porém foi batizado, em 1886, como luterano. Estudou matemática nos termos de Karl Weierstrass e Leo Königsberger, e filosofia sob Franz Brentano e Carl Stumpf. Inicialmente Husserl ensinou filosofia como professor não remunerado na Universidade de Halle-Wittenberg em 1887. Anos depois como professor titular: primeiro na Universidade de Gotinga em 1901; depois, na Universidade de Friburgo (Alemanha de 1916), até sua aposentadoria (1928). Após esse período, realizou duas palestras notáveis: a primeira em Paris, em 1929; e a segunda em Praga, em 1935. As notórias leis raciais do regime nazista de 1933, porém, tiraram sua situação acadêmica e privilégios. Na sequência de uma doença, morreu em Friburgo (1938).



Nenhum comentário:

Postar um comentário