I
Humanizar-se,
muito além do que poder se desenvolver por meio dos processos de socialização
primária (na família) e secundária (na escola), é também um ato de Emancipação
Intelectual, que se dá a partir e durante a tomada de consciência crítica. Todavia,
nem todo aquele que busca a tomada de consciência crítica emancipa-se de fato,
por dois motivos:
1-
A emancipação intelectual é um processo de transformação e transcendência do
espírito conhecedor;
2-
De conquista da autonomia para ser, fazer e refazer-se dentro dos preceitos de
humanização;
3-
A consciência crítica, sozinha, não passa de consciência “de”: pode-se ter
consciência de uma coisa e não de outra.
Chega-se
em dois axiomas:
1- Para
humanizar-se, de fato, o homem precisa de educação, mas não de qualquer
educação;
2- Ele
precisa de uma educação que possibilite a ele, através do exercício da sua
consciência reflexiva, desenvolver:
a) A
consciência crítica de si;
b) A
consciência crítica de mundo;
Nesse
sentido, tratar-se-á, aqui, não das especificidades da tomada de consciência,
mas de algo muito maior, concebidos como os amálgamas do ato de humanizar-se,
ainda que teoricamente especificados, objetivando favorecer um melhor
entendimento e que se sustentam e se corporificam na emancipação intelectual.
II
Longe
do humanismo radical dos sofistas e do humanismo Antropocêntrico, sustentado
pelas ciências, no qual o homem é colocado e ao mesmo tempo entendido como “a
medida de todas as coisas”; e muito mais longe ainda das ortodoxias
deterministas, sejam elas científicas ou de qualquer outra natureza, pode-se
dizer que:
1-
O homem, por ser um ser social, um animal
político, como descrito por Aristóteles, para estar no mundo, ele precisa de
crítica e autocrítica;
2-
Querendo ou não negar a existência de Deus,
o homem precisa entender que ele não é só natureza, mas também dotado de
espírito, de razão, de pulsão e afeto, sintetizados numa condição humana;
3-
O homem precisa saber que ele é constituído
de uma unidade de contrários, ou seja, de razão pulsão e afeto;
4-
Ele precisa saber também que, na busca pelo
entendimento do todo, especificando e particularizando linhas de estudo e/ou
pesquisas, o homem ficou preso em diferentes simbolismos, em diferentes formas
ortodoxas de ver o mundo, cristalizando e sistematizando paradigmas, que os
impede de ver a realidade em si, mas apenas para si;
5-
O homem precisa saber que, na busca pela
felicidade, na busca pela sua realização pessoal, ele pode adoecer, pode ter
perdas sócio afetivas, pode morrer, interrompendo sua trajetória de vida. Ele
precisa entender que, ao nascer, começa a morrer. Ou seja, entender que a sua
existência se constitui numa espécie de marcha para a morte;
6-
Na busca pela inserção social, ele precisa
se dar conta do fato de que há na sociedade desigualdade entre os homens;
7-
Na busca pelo emprego, ele precisa saber
que está inserido num mundo capitalista e, por isso mesmo, também
Meritocrático, competitivo e individualista.
III
Ainda
que, à primeira vista, possa soar como um paradoxo, a tomada de consciência de
si, a consciência do ser sobre o seu “que fazer humano” não se dá somente na escola,
nem somente na família e, muito menos ainda, somente nas redes sociais da
internet ou somente nos outros meios de socialização específicos, relativos ao
exercício dos diferentes papéis sociais, por dois motivos:
1- Na
família, há certa camada de proteção, até determinada idade, assim como a
construção de hierarquias e estigmas entre os indivíduos, que os impedem de se
depararem frente a frente, diretamente, com as relações desiguais da vida
social e de construírem uma imagem, uma consciência real de si.
2- Na
escola, por outro lado, há a disseminação e a internalização, no indivíduo, de
um saber erudito que o aliena, na medida em que o ilude, dizendo que somente a
apropriação desse tipo de saber é capaz de conduzi-lo a melhores condições de
subsistência. Além disso, valoriza-se a aquisição de conteúdos e não o desenvolvimento
da criatividade; valoriza-se o aprender pensamentos e não o aprender a aprender
ou o aprender a pensar.
3- Na
internet, como já dito nos capítulos anteriores, não há relações de confiança
nem de validade do saber, assim como incertezas sobre a sua qualidade.
4- No
exercício dos papéis sociais está à prisão do ser, os estereótipos e os
estigmas, que impedem o ser de ser algo além dele, no seu tempo e espaço.
Nos
grupos favorecidos a tomada de consciência de si demora mais para acontecer,
uma vez que a proteção familiar dura mais tempo, assim como os anos de
escolarização.
Nos
grupos menos favorecidos, a proteção familiar termina cedo, como também, muitas
vezes, a escolar. Jogado precocemente na sociedade do capital, descobre-se,
querendo ou não, uma realidade catastrófica, implícita nas circunstâncias da
vida cotidiana. Essas relações sociais impingem-lhe a necessidade de constantes
tomadas de decisão.
Nesses
grupos menos favorecidos, desenvolve-se, cedo, a partir da vivência, um
potencial emancipador, mas que logo se atrofia, na medida em que, ao se
questionar a própria existência diante das problemáticas sociais, não se tem
como compreendê-la de forma enriquecedora e qualitativa, por falta de uma
sólida formação cultural. Ou seja, a consciência não se amplia e se cristaliza,
especifica-se e limita-se como inconsciência do todo ou como consciência “de”.
Quando,
porém, por algum motivo, mesmo sendo lançado cedo no mundo pela família, esse
ser ainda assim consegue continuar na escola, dando sequência aos seus estudos
posteriores, ele aí tem a possibilidade de confrontar os saberes da vida com os
saberes eruditos e construir a sua própria visão de si.Ele passa a poder
analisar, comparar, questionar, sintetizar, duvidar, começar a pensar, dando um
sentido para sua existência. Ele começa a ter a possibilidade de construir
estratégias de luta e resistência contra a sua condição de excluído social...
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