Não tenho aqui a
pretensão de elucidar e nem tampouco querer explicar Nietzsche (1844-1900 –
filósofo alemão), uma vez que, penso que, o mesmo, por tão complexo e hermético
que é, não pode ser traduzido. Penso mais: que todo aquele que tem a pretensão
de traduzir Nietzsche corre também o risco de traí-lo.
Objetiva-se aqui apenas
fomentar o diálogo e a problematização acerca de questões que, a meu ver, tem
sido mal colocadas e/ou desvirtuadas por parte de alguns ditos filósofos
pós-modernos a respeito dos principais axiomas de Nietzsche.
I
- Nietzsche, embora não saibam muitos, critica a moral judaico-cristã e também
os auspícios da ciência no que se refere à busca desta pela verdade. Todavia,
sua crítica, em nenhum momento, o coloca na condição daquele que faz apologia
às imoralidades, às libertinagens e/ou a criação de novos dogmas para serem
postos como ditas verdades.
II - Sua obra o "Anticristo" não se trata de
uma apologia ao ateísmo, mas de uma visão sobre o que fizeram de Deus e também
de uma configuração sobre o niilismo provocado pelo Antropocentrismo ao
Teocentrismo com o surgimento da era moderna. Nietzsche, por exemplo, diz-nos:
"(...) eu somente creria num Deus que soubesse dançar..."
III - Vontade de potência, em Nietzsche, diz respeito à
importância da busca do homem pela sua superação enquanto ser humano, ou seja,
diz respeito ao alcance da plenitude de sua humanidade. E ele nos diz: "o
homem é uma ponte e não um fim... o homem é uma ponte que vai do animal para
além dele mesmo... e é perigosa essa travessia..."
IV - Ser "humano, demasiado humano", para
Nietzsche, não é um Ser se tornar escravo dos seus próprios maus e/ou
supostamente auto ditos bons instintos; não é se tornar escravo do seu próprio
corpo, dos seus desejos, ainda que se julgando, nesse tortuoso caminho, estar
seguindo em oposição férrea às ideias e/ou aos ditos ideais Platônicos. Ser
“humano, demasiado humano”, para Nietzsche, frise-se: é apenas pôr-se a
exercitar-se como artista, isto é, é buscar ser capaz de criar e recriar novas
formas possíveis de existência. Para Nietzsche, voltar-se para a arte, para o
“que fazer artístico”, para a criação de novos sentidos para a vida, já é
questionar e/ou revolucionar todas as formas antigas ou modernas estabelecidas
de ditas verdades.
V - Nietzsche diz-nos mais: "se criar é
ultrapassar-se, a criatura deve sempre buscar ultrapassar ou prevalecer sobre o
seu criador."
VI - Para Nietzsche, todo aquele que cria valores
novos, inevitavelmente destrói e/ou questiona aqueles que, anteriormente,
tinham sidos criados. Entretanto, o super-homem defendido por Nietzsche não
deve ser entendido como um corruptor, mas apenas como um criador de novos
sentidos, de metáforas, e não como um suposto legislador de novas ditas
verdades.
VII - Nietzsche, em vários dos seus escritos, fala-nos,
por exemplo, da necessidade da existência de três transformações no espírito e,
sob as quais, deve ou deveria passar o Ser humano, a saber:
1- o camelo;
2- o leão;
3- a criança.
Numa espécie de metáfora
por Nietzsche criada, o camelo, com um número excelso de cargas sobre as
costas, está representado pelos homens de cultura judaico-cristã que, sob a
forma de dogmas e/ou verdades ditas eternas e imutáveis, carregam-nas e as
propagam enquanto verdades eternas e/ou valores ditos absolutos.
O leão, para Nietzsche,
está representado pelos homens da era moderna e/ou agora pós-moderna que,
motivados pelas ideias antropocêntricas, ao mesmo tempo em que negam e
esforçam-se para destruir as ditas verdades judaico-cristãs, colocam em seu
lugar, também na condição de dogmas, de cientificismo, valores e/ou saberes
ditos científicos.
A criança no espírito,
para Nietzsche, é colocada "como um começar de novo; como uma roda rodando
por si mesma; como um dizer não diante do que impede o homem de tomar sobre si
a sua humanidade", que é entendido como o desenvolvimento, em si, das
capacidades de questionar, de dialogar e de criar novos sentidos e valores.
Criar novos sentidos e
valores, para Nietzsche, como erroneamente talvez possam pensar muitos, não diz
respeito a "inventar ditas novas pessoais e/ou subjetivas verdades"
e, na mesma via, se tornar escravo delas, como fazem as pessoas que possuem
Camelos e/ou Leões em seus espíritos.
VIII - Para aqueles que
acham que Nietzsche pregou ou prega a imoralidade, a amoralidade, a
promiscuidade, a poligamia e a libertinagem, enganam-se: ele, Nietzsche,
num dos seus escritos, diz-nos:
"se teus cães
selvagens estão prontos, loucos para saírem de dentro de ti, querendo ladrar...
é porque ainda não conheces de fato o que é o super homem..."
Em seguida, ele
complementa-nos dizendo:
"não vos aconselho
que mateis os sentidos, mas que haja inocência em vossos sentidos."
Em Nietzsche, procurar
estar "além do bem e do mal" não é o mesmo que viver e/ou praticar
atos "além do bom e do mau". Não confunda-se, por exemplo, a
problematização de valores, sentidos e verdades em Nietzsche com a apologia à
prática daquilo que, em qualquer sociedade, é sistematizado e/ou colocado pelos
seres sociais como sendo dito atos de maldade ou crueldade.
Isto é, Nietzsche, em
nome da sua filosofia, não se tornou assassino, ladrão, pedófilo, mal-caráter,
leviano, libertino, devasso, corrupto, etc., ou seja, um criminoso, uma escória
humana, um mequetrefe ou uma aberração qualquer.
É fato que muitos
críticos conservadores chamaram Nietzsche de louco. Para estes, Nietzsche,
todavia, “humano, demasiado humano” que sempre procurou ser, apenas
respondia-lhes:
"(...)
O que dizem em mim ser loucura, chamo-a apenas de saúde interior..."
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